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Perspectivas do movimento Occupy

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Organize online. Ocupe offline.

 

Embalado pelas revoluções árabes e pelo movimento do 15 de maio (15M) europeu, pelas sucessivas revoltas na Tunísia, Egito, Espanha,  Itália, Islândia, Grécia e Reino Unido, o momento americano da revolução global irrompeu em Zuccotti Park. Em 2 de agosto de 2011, aconteceu a primeira assembléia nessa praça arborizada da Baixa Manhattan. Em 17 de setembro, centenas de pessoas levantaram acampamento na praça. Sintomaticamente, Zuccotti é classificado como “espaço público de propriedade privada”, controlado pelo banco de investimentos Brookfields. A primeira tarefa dos manifestantes do Occupy foi comunalizar o espaço: assumiram uma gestão democrática e passaram a produzir intensivamente (n)ele. Como nas demais ocupações de espaços públicos pelo mundo, a OcupaNY transformou o espaço em comum, além das categorias do público e do privado. A partir daí, instalou-se uma versão beta da política, em constante tentativa, erro e mutação. A partir de Nova Iorque, as ocupações se alastraram para mais de 400 cidades norte-americanas. Na chamada de 15 de outubro (15O), o movimento pipocou no Brasil, Equador, México, Uruguai, Colômbia, Argentina, Costa Rica e Chile.

Quem entrou em 2012 um pouco decepcionado com o ciclo de lutas, deveria fazer um exercício retrospectivo. E voltar para 1º de janeiro de 2011. Quem poderia imaginar, na época, que as ditaduras árabes seriam varridas da história por multidões? que um experimento como a Praça Tahrir fosse factível? que milhões de pessoas tomariam as ruas pela Europa, rompidas com a esquerda partidária? que, nos Estados Unidos, se voltasse da noite para o dia a falar abertamente em revolução e poder constituinte, acontecessem bloqueios de portos, piquetes em prédios empresariais, calotes coletivos de estudantes, e se organizasse a primeira greve geral no país desde 1946? De acordo com o último relato do estado da ocupação, ainda se mantêm 61 acampadas sob o fustigante inverno americano e a agenda ativista para 2012 está lotada.

Se existe uma diferença entre o ciclo OcuparTudo e os protestos anticapitalistas do final dos anos 1990 reside na prioridade da construção de uma alternativa, de já apresentar-se com propostas concretas para o outro mundo possível. Aquele ciclo de lutas se pautou, principalmente, pela agenda do confronto direto, da provocação, da perturbação das instituições globais do capitalismo e da destruição da propriedade privada. O movimento Occupy incorpora a raiva e a revolta das ações globais precedentes, mas as elabora mais afirmativamente, num desejo de coalhar o mundo de Praças Tahrirs, de enlaçar redes de auto-organização e auto-valorização. Militantes das antigas, dos dias de ação global, de Seattle e Gênova, se sentem não somente contemplados, mas entusiasmados com o vigor e a determinação dos novos. Se, antes, éramos reprimidos pela hostilização à propriedade, agora se é reprimido simplesmente por ocupar o espaço público e engendrar práticas autonomistas. A mera existência das acampadas em espaços públicos já afronta os poderes constituídos.

Toda a mobilização mudou a gramática da política americana. Voltaram-se a debater modelos de estado, estrutura social, sistema econômico e divisão de classe. Além disso, instaurou um clima de desobediência civil: ousa-se mais, desafia-se mais. A recente mobilização pelas liberdades das redes e contra o SOPA só pode ser entendida sobre o pano de fundo da agitação política que o Occupy exprime. Sobretudo, colou o slogan 99% contra 1%, que resgata ao imaginário político a divisão de classe. Descarta-se a ilusão de que na sociedade somos todos Um, que alguma harmonia universal dos diferentes pudesse resolver os problemas sociais em nome da humanidade. O Um tem que se fazer Dois. O movimento Occupy forçou a arena pública a reconhecer a profunda assimetria entre ricos e pobres, entre proprietários e precários, entre credores e devedores, um antagonismo cuja solução não se dá com reformas ou melhoramentos pontuais, da parte de governos e partidos. E não se trata, como resposta, de inaugurar sociedades alternativas, à moda dos hippies, onde essas divisões sociais não mais existiriam. Mas, sim, propor alternativas de sociedade no coração da ordem social vigente, com o propósito de abolir as segregações.

Nesse sentido, por mais demandas que sejam formuladas pelas acampadas (e muitas, claramente, o são), elas jamais chegarão à altura do desafio colocado pelo Occupy. Membros do governo e da imprensa cobram a mesmo exigem, por vezes histericamente, as pautas e exigências do movimento, esses não entenderam o ímpeto do Occupy. Ele não tem funcionado como mais uma articulação da sociedade civil, ou seja, como grupo de pressão para reivindicar ante o estado, — que a seu passo poderá atender ou não. Muitas das demandas simplesmente não podem ser atendidas. Por impossibilidade sistêmica. Se pudessem, o próprio movimento perderia o sentido, uma vez que ele se criou exatamente porque há demandas que não podem ser processadas pela máquina representativa, triplamente viciada por governos, partidos e grande imprensa. O dissenso é radical e essas demandas são vitais. E se relacionam com o acesso democratizado a bens comuns e moradia, a modelos alternativos de desenvolvimento e metrópole, a formas de trabalhar e produzir socialmente e a instituições baseadas na auto-organização e na autonomia. O que se pede simplesmente não poderia ser atendido por quem é o obstáculo primeiro das demandas. Que situação mais enervante para os representantes constituídos, afinal, você não pode fazer nada para pará-los quando eles não querem nada de você. Os problemas que o Occupy põe extrapolam as soluções disponíveis no mercado eleitoral. Daí também remeter a um slogan sessentaoitista: seja realista, demande o impossível.

Outro diferencial do movimento está na importância de produzir, no foco na atividade. Sua relevância para o movimento está no que você faz por ele, efetivamente, na aspereza do concreto, no quanto você investe o tempo, a capacidade, o desejo, a paciência e a revolta. Ocupa-se o espaço não para expressar pura e simplesmente, mas para produzir. O quê? formas de organizar, de decidir, de gerar cultura, resistência, redes colaborativas e arte-ativismo, tudo misturado; para aprender o próprio processo de ocupação, para irradiar lutas e mobilizações visando a ocupar outros lugares: escolas, fábricas, hospitais, empresas, universidades, a internet. Nisso, não reproduz a lógica reativa de alguns coletivos esquerdistas, que se limitam a expedir moções de repúdio, reclamar dos governos e resmungar contra-tudo-o-que-está-aí. Nem se restringe ao ideal participativo da classe média liberal. Isto é, achar que fazer política se resolve em participar de redes sociais, debater abertamente os tópicos e contribuir para a formação dos consensos e conversas. O mundo não se muda diretamente com idéias, mas quando elas circulam, são compartilhadas, se transformam e se enredam com as práticas concretas, com a ação direta e a organização militante, quando elas encarnam na praça e nas ruas.

Algumas pessoas deveriam parar de esperar do Occupy uma emoção permanente. O tempo da crise também desabrocha mediante um trabalho laborioso de construção, qualificação, capilarização. Tem seus refluxos, recuos e adaptações. Os fluxos e redes, as práticas e discursos vão se articulando, organizando uma sinergia no que efetivamente rola, um comum produtivo, — e isso não significa que vai ser espetacular como no cinema, os proletários marchando para ocupar triunfalmente o Palácio de Inverno. Mesmo porque não existe mais centro absoluto de poder. Não adiantaria para o Occupy tomar o poder do estado, isso seria muito pouco.  No seu dissenso, é preciso atravessá-lo, reinventá-lo, esgarçar novos horizontes de políticas, mídias e direito.

As utopias que fiquem nas cátedras e obscuros coletivos. No dia a dia das ocupações, não há lugar para a pureza de ideologias e seus programas imaculados, nem para tentativas de unificar os grupos contra alguma entidade sobrehumana de doze cabeças. Tudo se hibridiza e se intensifica nas relações sociais que nos atravessam, e está só começando. 2011 foi só o gostinho.


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